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Muito cuidado com o que desejas!

por Mirian Fidelis

 

Quando ainda era menino, certa vez escutei a história sobre um homem muito
pobre que cansado de passar por privações resolveu acabar com a falta de dinheiro.
 
Um dia ele trancou todas as portas da casa, acendeu incenso, velas negras, fez
um pentagrama invertido no meio do quarto, se banhou em sangue que conseguiu de
forma escusa e decidiu que naquele momento mudaria de vida, seria um homem rico,
muito rico, teria uma vida boêmia, faria festas e mais festas. Terminado seu enorme
discurso do que seria uma vida perfeita regada a bebidas, mulheres, orgias e noitadas,
assinou com o próprio sangue. Não tardou para que entrasse em transe, em seu louco
sonho encontrava-se com o senhor das trevas e este lhe impunha uma única coisa que
devia fazer. Todos os dias ao lado de sua cama iriam aparecer cédulas de dinheiro que
deveriam ser gastas, não deveria preocupar-se, afinal de contas aquilo era um pacto e
estava assinado, logo, ambos teriam que cumprir suas dívidas. Estas cédulas
apareceriam regularmente logo que ele abrisse os olhos, estariam ali, ao lado de sua
cabeceira.
 
No primeiro dia foi como um devaneio, ele acordou, olhou para o teto e ficou
duvidoso quanto ao sonho da véspera, teria tido uma viagem astral, a qual se encontrou
deveras com o príncipe das trevas? Apesar das lembranças estarem fortes, pareciam
estranhas e confusas. Sentia uma dor fortíssima no braço e assustado olhou para a
manga do pijama que estava suja de sangue logo acima do pulso direito. Sua boca ficou
aberta, estava vazado um símbolo estranho e avermelhado semelhante uma enorme
queimadura meio borrada, não dava para identificar o que estava escrito, mas era visível
que havia uma data, só que não dava para entender qual seria. O homem ficou
estarrecido, tinha sido verdade, tudo o que aconteceu no sonho era real, ele agora neste
momento devia ser um Fausto e um homem muito rico. A queimadura ardia, ele suava
em bicas, retorcia-se, sua boca estava ressequida e ao passar a língua por seus lábios, era
possível escutar um barulho áspero como de uma lixa sobre um papel amassado, sua
cabeça latejava, mas ele não se importava, afinal de contas era só tomar um comprimido
e pronto, tudo seria resolvido. Levantou de sua cama que estava encharcada de sangue,
sangue de seu pulso aberto e queimado. Pela quantidade não entendeu como ainda
estava lúcido, se fosse em circunstâncias normais, nesta hora já seria um homem morto,
ou, perto de ser.
 
Tomou banho, vestiu sua melhor roupa e tomou o remédio. Ao olhar para o
criado mudo ficou paralisado, havia uma enorme pilha de dinheiro, todas as cédulas
eram de notas altas e novas, aquele cheiro de dinheiro enchia todo o seu quarto. Pegou o
montante de notas e o cheirou, beijou, jogou para cima, passou pelo rosto, deitou sobre
elas, estava literalmente nadando em dinheiro. Eram tantas notas e havia tantas coisas
que ele gostaria de comprar que não sabia por onde começar. Queria comprar roupas,
sapatos, comidas exóticas, móveis, depois compraria uma casa, um carro, uma moto e
sabe-se lá mais o quê.
 
Conforme o tempo passava o pobre homem não sabia mais o que comprar, ele já
possuía tudo e não estava mais conseguindo gastar todo o dinheiro como antigamente.
Outro fator importante era que a dor do braço nunca passava, queimava dia e noite e à
medida que o dia avançava e ele não gastava o dinheiro a dor aumentava, era uma

espécie de aviso. Aquilo era constante, nunca parava, não tinha descanso, era uma
tortura!
 
Alguns anos se foram, ele não envelhecia, não ficava doente, não engordava, não
havia nenhum tipo de alteração em sua forma física, parecia um Dorian Gray, só que da
vida real. Seus amigos eram amigos de balada, falsos, gananciosos e insensíveis. Já
estava ficando chato sair todas as noites sem descanso, fazer festas que duravam dias,
gastar dinheiro em jogos de azar, alugar iates e helicópteros para passear, ficar na orgia
a noite inteira, acordar todas as manhãs com mulheres diferentes que nem fazia idéia de
como as conhecia. Tudo já o deixava muito aborrecido e desmotivado.
 
Por mais que ele gastasse parecia que o dinheiro brotava, minava, ele já
começava a achar que estava ficando louco. Resolveu comprar coisas para os seus
vizinhos e amigos, logo, nenhum deles precisava de mais nada, o problema era que não
dava para juntar o dinheiro, tinha que ser gasto toda a quantia no mesmo dia e ele não
podia jogar fora porque se assim o fizesse, as cédulas voltavam como mágica para o
criado mudo, fora que ele tinha que aturar a dor lancinante de seu pulso, que nunca o
deixava em paz.
 
Certo dia ele acordou meio indisposto e sem ânimo para sair da cama. Ficou
muito tempo deitado, coisa que não fazia há anos. Simplesmente esqueceu que
precisava sair de casa cedo para gastar o dinheiro, quando se deu conta levantou
correndo e foi aos seus afazeres, já passava das onze e meia da noite quando ele
percebeu com horror que não havia gasto nem metade do dinheiro, começou a entrar em
pânico, o suor escorria pela testa, cabelos e ensopava sua camisa, a dor do braço
queimando cada vez mais forte parecia até que exalava uma leve fumaça amarelada
cheirando a enxofre.
 
Tudo a sua volta começou a girar, o desespero bateu e ele sentiu fraquejar,
angustiado olhou para a janela aberta, tentou aspirar o ar com avidez, mas não
conseguiu nenhum resquício de oxigênio. Ele gritou.
Nunca ninguém soube ao certo o que de fato aconteceu naquela noite com
aquele pobre diabo. O que todos ficaram sabendo depois, foi que o senhor das trevas
voltou para acertar as contas já que ele não cumpriu o que havia combinado. No dia
seguinte não o encontraram mais, apenas a pilha de dinheiro sobre criado mudo ao lado
da cabeceira da cama e no chão do quarto uma enorme mancha escura de queimado com
um cheiro forte de enxofre pelo ar, por isso que antes de vender o que mais possuímos
de precioso é bom termos certeza do que realmente desejamos.

                                                                    **********************************************

Entidade Macabra

       por Lúcia Gomes

 


– Teeeeelmaaaaa! Teeeeelmaaaaa! Teeeeelmaaaaa!


Quando Telma abriu os olhos, o ser exótico, terrível, macabro estava ali
sentado, ao seu lado, na cama. Ele a observava como se quisesse devorá-la.
Telma queria gritar, porém as palavras agarradas na garganta teimavam em se
esconder dentro do seu corpo gélido e trêmulo de medo.


Como era feia a criatura! Pele roxa, três olhos vermelhos, careca, mãos
e pés com dois dedos, unhas negras e afiladas nas extremidades, boca
enorme com dentes amarelados e caninos avantajados, língua verde e
bifurcada, nariz e orelhas minúsculos.


Telma continuou imóvel, de olhos arregalados. Apavorada sentiu as
batidas do seu coração e temeu que ele saísse pela sua boca aberta.
O abominável ser puxou vagarosamente o lençol com o qual a moça se
cobria e a analisou da cabeça aos pés. Fitou os pés da Telma parecendo
admirá-los por terem cinco dedos. Lentamente passou a mão esquerda,
repugnante, nas pernas da jovem indefesa.


E finalmente Telma gritou:
– Nãaaaaaooooo!!!! Socooorrooooo!!!!
As palavras pronunciadas pela moça soou tão alto que até as paredes
do quarto estremeceram.
Numa fração de segundos Vinícius entrou aflito no quarto. E ao acender
a luz... a entidade sumiu.


– O que foi, Telma?! Você viu um fantasma?!
Telma abraçou o irmão. Ela chorou e soluçou desesperadamente...
Vinícius notou pegadas brancas, imensas, no piso escuro do quarto. A
janela, completamente aberta, intrigou-o. Como nevava o rapaz tinha certeza
que a irmã jamais deixaria a janela escancarada. Ela também não dormia com
o abajur aceso.

Ao amanhecer fizeram buscas pela propriedade e nenhum ser
estranho foi encontrado. Entretanto seguiram pegadas na neve e elas
acabaram no centro de um lago congelado, onde estava esculpida no gelo a
palavra: TELMA. Ao lado do nome uma mão assustadora com apenas dois
dedos. Sobre ela uma rosa vermelha.

 

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